quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

YAMI“Aloelela” | “África? É a minha mãe…”


Era uma vez um minhoto que veio a Lisboa e se fascinou pelos barcos que no cais partiam para África.
Após ter cumprido o serviço militar, antes da Guerra do Ultramar, pediu emprego a bordo de um navio que partiria para Luanda. Sendo este um aventureiro multifacetado, rapidamente foi contratado, partindo assim para a grande aventura.
Em Angola não tardou a perceber que ali seria o início do “resto da sua vida”. Conheceu uma mulher Africana, com quem casou e teve filhos.
Um deles, Fernando Araújo, viveu em Luanda até aos 4 anos de idade. Com a Guerra do Ultramar e a Revolução Portuguesa em 25 de Abril de 1974, a maior parte dos portugueses que viviam nas colónias regressaram a Portugal, tendo em conta a instabilidade de vida nesse momento de crise.
Esta família foi uma delas. Instalaram-se nos subúrbios de Lisboa e ali recomeçaram mais uma vez “o resto das suas vidas”.
“África é a minha Mãe” é a expressão mais fluente de Fernando Araújo (YAMI), quando questionado acerca do seu país de origem. Isto porque a senhora Maria Augusta, uma Africana nascida numa roça de café no interior de Angola, fez questão de transmitir aos filhos toda a magia da sua terra natal, toda a riqueza e toda a paixão que ela mesma sentia e sente acerca desta terra onde nasceu e cresceu, num tempo de paz e de felicidade.

Esta não é de modo nenhum uma história única, ou de uma única família. É a história de milhares de famílias, que viajaram para Portugal em virtude da guerra e da queda de uma terra mágica como esta e como outras no continente Africano. E que tentaram sempre transmitir aos filhos uma mensagem de paz e de esperança, para que pudessem crescer como boas pessoas, sem revolta e sem mágoas. Fazendo-os acreditar na terra que os teria visto crescer.
Fernando Araújo (YAMI) não voltou a Angola depois dos seus 4 anos de idade. Não conhece o país onde nasceu, como ele é agora. Mas conhece uma África ou uma Angola descrita e revelada pela mãe, que nela nasceu e cresceu como quem nasce e cresce num canto do paraíso.
E, por mais estranho que pareça, neste disco tudo isso se reflecte, como se ele próprio lá tivesse crescido, num outro tempo. No tempo das histórias contadas pela senhora que fez questão de lhe ensinar minuciosamente o seu dialecto (kimbundu), assim como de fazer crescer-lhe na alma as suas mais verdadeiras raízes.
“Eles estão a rir” é o significado do tema que dá o nome ao primeiro disco de YAMI. E que no fundo é o seu projecto de vida como músico, intérprete e compositor. Contando e sonhando as boas histórias de um país bom, sem esquecer todas as suas realidades presentes, como é óbvio, mas acima de tudo aquelas que retratam um passado que ainda voltará a ser futuro.

Helder Moutinho


Que a pele do som é mestiça…


“[…] O mundo deixara de ser o somatório de mundos fechados, era um só, cada vez mais mestiço”.
Pepetela, Lueji: O Nascimento Dum Império, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1990, pp. 26-27
Vêm de sul e são transmarinas, as raízes. Talvez por isso, não há som nem verso nem panorâmica que não se tropicalize.
Irredutivelmente diversas, fincam-se nas figuras rítmicas panafricanas, entre formas tradicionais e inovações crioulas — quer nas das músicas de dança das cidades de África, como semba, coladera e morna, quer nas das músicas da diáspora africana, como funk, reggae e rumba — e germinam nas criações musicais de YAMI outra e outra e outra coisa.
O canto, adestrado pelo batuque do coração, mistura vocábulos em kimbundu, crioulo cabo-verdiano e português, em acento e ritmo moreno, numa convizinhança estreita, antiga, que liga um idioma ao outro, um país ao outro.
Se de olhos bem fechados — como se aconselha a escuta —, experimenta-se sem distância a canícula dos lábios que cantam e riem; o ébano dos corpos dançantes que, ora juntos ora separados, alisam capins e enxotam formigas, e o aroma dos cajueiros floridos e das mangueiras em fruto, subindo e descendo a espiral do som que torna viagem do hemisfério da alma.
Aloelela* é, no mesmo passo, desejo e celebração, corporalidade e espiritualidade. Em síntese, uma afro-lusofolia tão contagiante como o riso.
Ana Gonçalves
*Aloelela é uma palavra em kimbundu (língua tradicional angolana) que significa “eles estão a rir”.

Composição Musical (Concerto):
YAMI: Voz e Guitarras;
Nelson Canoa: Teclas e Acordeão;
Tiago Santos: Guitarras;
Ciro Cruz: Baixo;
Vicky: Percussões.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns Helder!
O Yami é um daqueles músicos de quem é impossivel não se gostar e admirar, e tu soubeste descrever a sua origem, a sua arte, e a sua simplicidade, de uma forma muito bonita e muito genuina!

Um abraço da Lata!