sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

RUI GARRIDO O “designer” do jazz e do fado"

Os puristas do jazz e da música portuguesa deverão, com certeza, ficar escandalizados com a revelação, mas a música que se ouve durante a paginação da revista jazz.pt e a feitura das capas de discos de Mafalda Arnauth, Ana Sofia Varela, Hélder Moutinho, Joana Amendoeira, Pedro Jóia, Ricardo Parreira e outros músicos e fadistas, é o rock – vertentes psicadélica, space e stoner, gravado nas décadas de 60 e 70 ou feito agora na frente roqueira que vem recuperando e continuando as experimentações daquela época. São estes os sons predilectos do “designer” que todos identificam com as “imagens” do jazz e do fado em Portugal, pelo facto de conceber o grafismo da única revista deste género musical que por cá se publica, de fazer as excelentes capas da editora discográfica Clean Feed – uma das cinco mais importantes do planeta jazz, diz a crítica lá fora – com o seu cunho muito pessoal e de ser o autor ainda de muitos dos cartazes e do material de promoção de festivais e concertos nestes domínios que por aí se realizam. Quando Pedro Costa, o responsável maior da Clean Feed, e Pedro Rocha Santos, o director da jazz.pt, se deslocam ao atelier de Rui Garrido em Oeiras para trabalhar com ele, ouvem-se alguns protestos, mas o mais que os dois conseguem é o Rui baixar o volume. Pela minha parte, nas duas semanas em que estou diariamente a fechar a publicação que edito, cada dois meses, com este surfista recuperado pela paternidade – tem-no afastado das ondas um rapazinho loiro de olhos azuis que contrasta com a sua pele de beduíno e o seu nariz romano –, não só lhe peço para me mostrar discos que não conheço, como lhe levo os da minha própria colecção. Sim, este crítico de jazz e música improvisada também gosta de rock alternativo e quando estamos juntos é uma festa. Nem imagino o que o pessoal da HM Música, produtora ligada à “música do mundo” que ocupa o piso de cima do edifício e com a qual Garrido também colabora, pensará sobre aquilo que é obrigado a ouvir, entre malhas guitarrísticas de acidez citrina e “feedbacks” dirigidos para o cosmos... Sendo eu conhecido por não emprestar discos a ninguém, imaginam o sofrimento por que passo quando se recusa a devolver-me os cedês durante longos períodos de tempo.
Em mais de 20 anos de jornalismo profissional, tenho sempre trabalhado de muito perto com “designers” gráficos. Além disso, sou irmão de um e alguns dos meus amigos mais próximos têm igualmente uma notável actividade nessa área. A verdade é que a minha parceria com o Rui Garrido é a melhor que tive até à data, pela empatia profissional conseguida e pelo relacionamento humano que temos estreitado. Não que seja fácil trabalhar com ele – não só o Rui é incapaz de estar concentrado numa tarefa mais do que 15 minutos de cada vez, como não o deixam. O telefone toca incessantemente (também produz catálogos de moda, aliás a base do seu sustento, porque isto da música não “paga”), é permanentemente requisitado pelo seu sócio na Bullshit Productions, empresa dedicada ao vídeo, à “urban art” e ao vestuário (sobretudo “t-shirts” com dizeres do tipo “Bang Me”), cujo escritório está montado na cave, além de que a campainha da porta soa sem parar para dar entrada a modelos que vêm a alguma audição, daquelas que fazem parar tudo só para as vermos passar, à contabilista que também é funcionária de uma distribuidora de discos (já recebi uns promos à pala disso) ou a amigos que aparecem simplesmente para dizer olá, incluindo um que além do referido “olá” vai contando histórias sem parar, metendo polícias, actores, anões e prostitutas. Volta e meia, o Rui agarra-se ainda à guitarra eléctrica que tem encostada a um canto para fazer uns acordes – actividade anti-stress de que não se sai muito bem, diga-se com franqueza. O ambiente é da mais completa esquizofrenia, mas é nele que o Rui sustenta a sua criatividade. Quando finalmente se senta à frente do computador, as ideias surgem-lhe de jorro e a sua resolução prática parece fácil, quando sabemos que assim não é.
Ao nível do “design”, o estilo personalizado de Rui Garrido pode ir de um extremo ao outro sem perder identidade. Desde cultivar a sua paixão pelo psicadelismo (muito curioso, para quem não gosta de drogas e nem sequer fuma – eu que o diga, pois está sempre a mandar-me a mim e às minhas cigarrilhas para a varanda), com amontoados de elementos gráficos, a situações do mais puro minimalismo, com tudo muito branco, “clean” e arrumado, se bem que de modos pouco óbvios. Para mim, uma das características mais interessantes do trabalho do Rui é a disposição lateral dos materiais. As fotografias, por exemplo, ficam quase sempre ao lado ou para cima, chegando aos cortes de página, mas quando ocupam uma página inteira, ou mesmo duas, é tão importante, ou mais até, o fundo da imagem quanto o seu objecto. Um exemplo é a capa da jazz.pt nº 14, feita com uma foto de Bernardo Sassetti tirada por um tal de A.Mateur, que é, afinal, o próprio Garrido com pseudónimo, diz ele que para “não misturar as coisas”: o músico ocupa apenas um quarto da fotografia, além de que o vemos de perfil e com a cara virada para a direita, pelo que o nosso olhar detém-se nos pormenores do tecto e depois é absorvido pela lisura da parede como que numa busca involuntária do infinito. Julgo mesmo que esta capa representa muito bem os conceitos deste fabuloso gráfico que continua sempre a surpreender-me e que muito me honra ter conhecido. Rui, vai buscar...

Rui Eduardo Paes

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