terça-feira, 18 de março de 2008

HELDER MOUTINHO E CONVIDADOS NA FÁBRICA DE BRAÇO DE PRATA


O âmbito é o de uma noite de fados: três músicos e um fadista que canta e faz as honras da casa, convidando outros fadistas espontâneos que vão aparecendo e são convidados a cantar ou a tocar. Tudo vale, até um instrumentista de outra área que se atreva a entrar na “Jam Session Fadista” que a noite propõe.Tudo pode acontecer, mas o que mais se deseja é que “aconteça Fado”…
Voz e anfitrião: Helder Moutinho
Guitarra Portuguesa: Ricardo Parreira
Viola de Fado: Marco Oliveira
Viola Baixo: Fernando Araujo
Quando: aos Sábados
Jantares: a partir das 20h00
Inicio do Espectáculo: 22h30
Preço único de bilhete: 5 € por pessoa
Onde: Numa das Salas da Fábrica de Braço de Prata
Rua da Fábrica do Material de Guerra, nº1(em frente aos correios do Poço do Bispo)http://www.bracodeprata.org/ / info@bracodeprata.orgReservas: reservas@bracodeprata.org
... Se Lisboa elege o fado como seu ex-líbris, o fado retribui-lhe, tematizando-a e, ao mesmo tempo, no imaginário de cada um, transportando-a para qualquer outro cenário que, tal como Lisboa para o intérprete, pode ser outra cidade ou outro lugar para quem se deixar envolver nesta viagem imaginária onde ficam – cidade e canção – perspectivadas sob a mesmíssima luminosidade, tremular e intensa, na voz de Helder Moutinho...

Fábrica Braço de Prata (FBP): Fado. Futebol. Fátima. Hélder, queres ordenar os três ‘F’s’ portugueses pela tua ordem de preferência?

Hélder Moutinho: Todos eles são importantes porque cada um deles trata realmente uma fase, uma época do nosso país. Os três ‘F’s’ foram criados num período em que vivíamos num regime de ditadura e, que graças a Deus, já não vivemos. É por esses motivos que são importantes: fazem-nos recordar que temos a liberdade. Dos três, apesar de tudo, o mais importante para mim é o Fado. Quanto a Fátima não posso falar muito porque nunca fui lá. Não sei como é… Isto, não quer dizer que não vá à Igreja ou que não seja crente, mas de facto nunca fui a Fátima. Em relação ao futebol, às vezes, vejo na televisão os jogos, mas nunca fui ver ao vivo. Há uma coisa que me entristece neste país é que a maior parte das pessoas se juntam só para ir ao futebol, não se juntam para outras coisas.

FBP: Acabaste de fazer referência ao nosso regime ditatorial. Achas que está definitivamente enterrada a associação Fado-Estado Novo?

Hélder Moutinho: Completamente. Aliás, acho que até na altura do Estado-Novo já estava a começar a estar desassociada. O Fado é uma música que trata a vida. E nessa época de opressão também soube ser uma música de intervenção. Os Fadistas também tinham de fugir das colectividades quando aparecia a P.I.D.E. para os prender. Os fadistas também cantavam coisas contra o Governo.

FBP: Quais eram os fadistas de intervenção dessa época?

Hélder Moutinho: Quase todos… menos dois ou três. Quase todos cantavam coisas de intervenção. Não foram só os cantores que conhecemos como cantores de intervenção que o fizeram. Os Fadistas também o faziam.

FBP: Houve Fado censurado?

Hélder Moutinho: Houve, houve… Aliás, as casas de fado foram criadas por causa da Censura. O Fado era cantado na rua e nas tascas. Quando se cantava Fado, cantava-se sobre a vida e muitas vezes cantava-se na rua para dar notícias das coisas que estavam a acontecer. Naturalmente cantava-se contra o regime, cantavam-se as coisas más que haviam na altura. Foi nesta fase que o regime decidiu criar uma estratégia para conseguir controlar os fadistas: criou os restaurantes típicos e as casas de fados. Não tanto as casas de fados, mais os restaurantes típicos. E criou uma série de leis. Por exemplo, os candeeiros a imitar os candeeiros de rua, as fardas dos empregados de mesa, as toalhas aos quadrados, os três quatro fados intervalo, mais três ou quatro fados intervalo. Tudo isto porquê? Porque era uma forma de pegar nos fadistas e mete-los todos numa casa de fados. Tudo isto, no intuito de os poder controlar, de poder fazer censura ao Fado. Portanto, é completamente errado as pessoas considerarem o Fado como um dos veículos do regime da ditadura do nosso país, porque não foi.

FBP: E porque é que achas que essa ideia vingou?
Hélder Moutinho: Quando eles (agentes do Estado Novo) começaram a fazer isto, começaram também a controlar uma série de fados. Houve muitos fados que tiveram um grande êxito nessa altura, nomeadamente a ‘A casa portuguesa’: Uma casa portuguesa com certeza, tão pequenina, tão pobrezinha, mas fica contente por ser pobrezinha… Isto foram músicas que foram encomendadas para ajudar a propagandear o regime.

FBP: Voltando aos três 'F’s', achas que são todos’f’s’ de muita fé?

Hélder Moutinho: Não. Acho que não. Acho que são coisas diferentes. Acho que Fé é Fé. Igreja, Deus, Cristo, isto é uma Fé. Tem a ver com a nossa energia - na minha opinião. Futebol é um jogo, é um desporto, uma fonte de muito dinheiro envolvido. Não quero de forma alguma comparar o futebol com qualquer tipo de Fé. Acredito muito na Fé. E muito menos quero compara-la com o Fado, que é uma arte, uma forma de estar na vida, que nos faz crescer e viver para poder ser fadistas. Se calhar não se é fadista só por se ser cantor. Tem de se viver. Tem de ser fadista na atitude de vida.

FBP: Mas o Fado é uma música com muita espiritualidade, não é?

Hélder Moutinho: Acho que o Fado é realmente uma música que tem uma alma muito grande. Isto, porque sofre uma data de influências musicais que emergiram na cidade de Lisboa, numa altura em que Lisboa era uma das cidades mais multiculturais do mundo. Era um dos portos mais importantes, se não o mais importante, antes do terramoto (de 1755). Talvez por isso mesmo, o Fado seja um bocado nostálgico e dolorido. As pessoas começaram a cantá-lo depois do terramoto. E se nós, durante estes anos todos, não nos lembrámos porque seria o Fado uma música triste e oprimida foi porque não nos lembrámos da cena do terramoto. De repente, quando temos a notícia de que aconteceu o Tsunami na Tailândia percebemos o que é que aquelas pessoas sofreram. Nós também tivemos o nosso Tsunami, também nos aconteceu a nós. E sofremos tanto com isso! Perdemos um dos maiores impérios da altura. É natural que o Fado seja uma música séria, uma música realista, uma música que fale da vida assim como o Hip Hop é uma música séria e realista porque também fala da vida. Eu costumo dizer que o Hip Hop de hoje tem muito a ver com o Fado que se cantava no início do século XX e com aquilo que os poetas populares faziam até 1950.

FBP: A Amália Rodrigues é um dogma?

Hélder Moutinho: Eu acho que sim. Ela marcou uma época e aquilo que ela fez ninguém mais o vai fazer. Quer dizer, as pessoas podem fazer outras coisas à escala daquilo que ela fez, mas ninguém vai conseguir fazer exactamente igual. A Amália apareceu numa época específica, transformou o Fado. Trouxe muito mais melodia, trouxe grandes poetas, trouxe-nos grandes compositores, trouxe-nos imagem, divulgou o Fado pelo mundo fora e além disso, tanto ela como o Alfredo Marceneiro, além de serem grandes fadistas, também foram grandes compositores. Deixaram uma grande obra. A Amália não era só voz, era também tudo aquilo que ela deixou ficar. E ela deixou ficar muitas coisas que as pessoas não conhecem, mas que são coisas compostas por ela. Ela editou um livro de poesia, por exemplo, com poemas que ainda hoje estão a ser cantados. Uma das grandes representantes da música portuguesa a nível internacional, a Mariza, num dos seus primeiros sucessos, que está no seu primeiro disco, canta um tema com um poema da Amália. Portanto, estamos a falar de uma pessoa que alia uma série de faculdades fantásticas e que pode ser quase considerada um dogma. Obviamente que antes dela existiram outras e se calhar daqui a uns tempos outras virão. Mas acho que não se deve tocar nela, como é óbvio. Deve-se ter um grande respeito. Ela fez muito. Ajudou a dar o salto em muitas situações. E aí é incontornável.

FBP: Fizeste referência a dois génios do Fado: Amália e Alfredo Marceneiro. Há mesmo Fados para serem cantados por mulheres e outros para serem cantados por homens?

Hélder Moutinho: Sim! Há! Na música brasileira isso não acontece, mas no Fado sim. Há Fados para serem cantados por homens e outros por mulheres.

FBP: No outro dia, num restaurante de Fados, pedi ao fadista residente, que me cantasse o ‘Maria Lisboa’, com letra do poeta David Mourão-Ferreira e imortalizado precisamente por Amália Rodrigues. Ele respondeu-me que aquele era um ‘fado de mulher’. Como é que fazemos a distinção?

Hélder Moutinho: Por acaso o ‘Maria Lisboa’ não é um fado de mulher. O ‘Maria Lisboa’ fala da história de alguém que está a falar sobre Lisboa. De facto, foi a Amália que gravou isso, que o imortalizou, que criou esse fado. Mas o facto dela ter criado e cantado isso não quer dizer que seja um fado de mulher. Agora, obviamente quando nós cantamos ‘oh meu amor marinheiro…’, isso é um fado de mulher. No caso do ‘Maria Lisboa’, não. (canta) ‘É varina, usa chinela, tem movimentos de gata, na canastra a caravela, no coração a fragata’. No fundo, eu posso cantar isto, estou a cantar uma cidade. É um fado sem sexo. A Amália, por exemplo, também escreveu e gravou uma música do fado bailado do Alfredo Marceneiro, com letra dela, que se chama ‘Estranha forma de vida’, esse também não tem sexo. Mas há outros onde realmente existe uma separação.

FBP: A Dulce Pontes representou Portugal no festival Eurovisão da Canção com uma música que dizia: ‘ Fado só quando a saudade vem arrancar do meu passado um grande amor’. O Fado é também uma música de amor?

Hélder Moutinho: Sim, em todos os sentidos. O Amor que se tem por alguém, o Amor que se tem por alguma coisa, o Amor que se sente pela vida, o Amor que se tem pelas causas que se defende. O Amor está envolvido em tudo que está relacionado com o Fado.

FBP: Se eu fosse uma estrangeira e se te perguntasse: ‘ mas afinal o que é que a palavra saudade quer dizer?’, o que me respondias?

Hélder Moutinho: Dizia que é um sentimento que nós temos quando sentimos falta de uma pessoa, de um tempo, de um lugar… Basicamente responderia isso.
FBP: Lisboa, ainda adormece a ouvir o Fado?

Hélder Moutinho: Sim! Graças a Deus.

FBP: Diz-se que o Fado de Coimbra não se aplaude, sente-se. O de Lisboa aplaude-se. O que é que isto quer dizer?

Hélder Moutinho: Eu penso que, tanto o Fado de Lisboa como o Fado de Coimbra foram criados a partir de uma série de influências musicais que emergiram nas respectivas cidades. Lisboa como porto de abrigo, com a emigração, com as colónias e não só…. O Fado de Coimbra, ou a canção de Coimbra, por ser uma cidade universitária e a partir de uma certa altura com as famílias vindas do Brasil e das Africas. Eles influenciaram a música que já se fazia em Coimbra e daí surgiu a canção de Coimbra. Eu penso que antigamente não se aplaudia porque provavelmente era uma música cantada na rua e quando se está a cantar na rua o barulho das palmas pode ser mais complicado do que só o barulho das vozes. Se calhar essa pode ser a razão. Mas hoje o Fado de Coimbra aplaude-se, obviamente. Numa sala de espectáculos é sempre aplaudido e existe uma casa de Fados que se chama a Capela onde as pessoas também o aplaudem. Aliás, eu acho que, como outro género musical qualquer, quando se acaba de cantar seja o que for deve-se bater palmas, deve-se aplaudir a arte daquilo que as pessoas estão a fazer.

FBP: O Fado de Coimbra é também um Fado de filão mais erudito…

Hélder Moutinho: Sim, também. Porque as influências são outras. São outros tempos e são outros espaços. Não é tanto a rua, nem as vielas, não é tanto os bairros. É mais o espírito universitário e talvez por isso mesmo se tornou numa coisa mais erudita.

FBP: Coimbra trata bem o seu Fado?

Hélder Moutinho: Acho que sim. Cada vez mais. Apesar de achar que eles continuam a ser muito conservadores, se houver um espectáculo de Fado de Coimbra as pessoas vão todas. Há um lobbie muito forte. Se calhar, o Fado de Coimbra é mais fechado. Não tem um público tão generalista como o Fado de Lisboa. Agora que tem pessoas muito fiéis, isso tem.

FBP: E Lisboa trata bem o fado de Lisboa?

Hélder Moutinho: Se Lisboa trata bem o Fado de Lisboa? Sim, nestes últimos anos tem se vindo a ver uma afluência muito grande. Inclusive de gente jovem. Aliás, eu acho que tem sido sempre assim, com os seus momentos altos e os seus momentos baixos, mas neste momento acho que o Fado de Lisboa tem bastante sucesso.

FBP: E o Estado português trata bem os fadistas?

Hélder Moutinho: Hum.. Sim, sim… pode-se considerar que sim. Excepto o Primeiro-Ministro que parece que não gosta muito de Fado.

FBP: Houve muitas pessoas que ficaram rendidas ao Fado, depois de descobrirem os fadistas…

Hélder Moutinho: Pois se calhar o nosso Primeiro-Ministro precisa de descobrir mais qualquer coisa.

FBP: E quem é que tu aconselhas a descobrir?

Hélder Moutinho: No fundo, aconselho todas as pessoas. Não é fácil gostar de Fado à primeira vez. ‘Primeiro estranha-se, depois entranha-se’, como dizia o Fernando Pessoa, como a Coca-Cola. Não é na primeira abordagem que se vai gostar de fado, nem tão pouco quando se compra o primeiro disco. É preciso ouvir toda esta gente nova.

FBP: Como a Mariza, a Mizia, a Cristina Branco?

Hélder Moutinho: Sim. E a Mafalda Arnault, a Joana Amendoeira, a Raquel Tavares, a Ana Moura. Destes mais novos ainda o Camané (novos quer dizer… o Camané já tem 41 ou 42 anos e já canta há 20 ou 30).

FBP: O Hélder Moutinho também….

Hélder Moutinho: Sou suspeito para falar disso. Posso falar por exemplo do Ricardo Ribeiro. É um fadista da nova geração fantástico. Depois também é preciso descobrir os discos antigos. Aí aconselho o Fernando Maurício, por exemplo. É importante comparar os antigos e os novos.

FBP: Esta nova geração tem um papel importante para o Fado, não tem?

Hélder Moutinho: Tem um papel fundamental para o Fado. Deram o salto do gueto e tentam ir às televisões, fazem promoções, trazem o público jovem ao fado. Uma das vantagens que os jovens fazem é que trazem o grande público ao Fado. Isto é, eles por serem jovens, têm carreiras e gravam discos e isso faz com que as pessoas fiquem atraídas pelo Fado. Faz também com que elas entrem no gueto, nas casas de Fado. As pessoas entram nos sítios e depois aí descobrem as grandes relíquias que lá estão, os grandes testemunhos das pessoas mais velhas que cantam Fado, que muitos não sabiam que elas existiam. Ao entrar no gueto e ao entranhar-se no universo do Fado, as coisas começam a funcionar.

FBP: Quais são as grandes dificuldades que o Fado encontra?

Hélder Moutinho: Eu acho que as dificuldades são, no fundo, as mesmas que qualquer outro género musical se depara. Ou seja, as pessoas têm sorte ou não têm sorte, têm talento ou não têm talento.

FBP: O talento basta para se vingar numa carreira de Fado?

Hélder Moutinho: Eu acho que sim, eu acho que a verdade é uma coisa que vem sempre ao de cima, mais cedo ou mais tarde.

FBP: O Museu do Fado é um projecto bem conseguido?

Hélder Moutinho: Sim, bastante bem conseguido. É importantíssimo, porque está lá tudo. Tudo o que nós precisamos saber sobre Fado está lá. Tem sido um trabalho intenso e que está sempre a crescer. As pessoas têm colocado lá uma série de informações. É muito importante para divulgar o Fado na sua história e no seu panorama actual. O Museu do Fado é uma ferramenta importantíssima para qualquer pessoa que queira saber alguma coisa sobre o Fado. É um local que geralmente está de portas abertas para quem quer fazer um lançamento de um disco, um lançamento de um livro sobre Fado, para quem quiser saber informações sobre esta música. Por exemplo, basta mandar um e-mail a perguntar por uma lista de todos os guitarristas e eles enviam a resposta prontamente. Tem também uma escola, a Escola de Guitarra Portuguesa e acima de tudo, é também uma pequena lição para o público em geral, na medida em que este Museu tenha à sua frente uma pessoa que não é uma pessoa da velha geração. É uma jovem, foi para lá com 20 e poucos anos para gerir o Museu, e hoje conseguiu provar que não é preciso ser-se velho para se poder fazer um trabalho bem feito.

FBP: Ultimamente, o Fado tem sido alvo de várias renovações. Encaras bem essas novas renovações? Por exemplo, já ouvi americanas a cantarem fado em português, ou a Mizia que de vez em quando canta em francês…

Hélder Moutinho: A Mizia canta uma ou outra canção em francês, mas, geralmente quando canta Fado canta em português. Das duas uma, ou gostamos ou não gostamos. Se existe uma francesa a cantar Fado em português nós vamos ouvir e aquilo pode ser bom ou pode ser mau. Eu já ouvi um francês com 80 anos a cantar Fado e gostei.

FBP: O Charles Aznavour, que no sábado passado encheu o Pavilhão Atlântico, deu uma entrevista à RTP, onde confessou que já tinha escrito um Fado…

Hélder Moutinho: Sim, fez uma coisa do Léman para a Amália Rodrigues. Eu acho que o Charles Aznavour é um grande fadista. Ele tem alma de fadista, assim como a Edith Piaf tinha, assim como o Frank Sinatra tinha, assim como a Elis Regina tinha, assim como a Ella Fitzgerald tinha.

FBP: O que é ser-se fadista?

Hélder Moutinho: Acima de tudo, é ter a capacidade de poder contar histórias. E de poder transmitir a alma que se tem quando se conta essa história. E fazer isso a cantar. O Aznavour tem essa capacidade e a Edith Piaf também tinha. Se fossem portugueses, se tivessem nascido em Portugal, teriam sido grandes fadistas.

FBP: O Atlântico sempre serviu para inspirar muitos Fados. Que outras paragens inspiram o Fado?

Hélder Moutinho: Muito a cidade de Lisboa, muito os portos, as partidas e as chegadas. Para mim, basicamente, é o local, o sítio, o panorama, os bairros, a cidade, o porto de abrigo. Depois, os vários sentimentos: a Saudade, o Amor, a Crítica, a condição do fadista, a condição de vida, a raiva que se possa ter sobre as coisas que não estão bem e falar delas. O Fado é essencialmente uma música urbana que permite falar de uma série de coisas.

FBP: E, neste momento, para acolher o Fado, quais são os melhores portos de abrigo internacionais?

Hélder Moutinho: A Holanda acolhe muito bem o Fado. Assim como a Bélgica, a França e a Espanha. Especialmente o Norte de Espanha (Olviedo, Gijón, Porto Gijón etc…) gosta muito de Fado. Cheguei lá a fazer um concerto para 2 mil pessoas e eles adoraram. O Japão também gosta muito de Fado, por aquilo que eu sei.

FBP: Actuas regularmente no estrangeiro?

Hélder Moutinho: Sim, bastantes vezes. O ano passado estive durante 22 dias nos Estados Unidos, na parte Norte. Tive em Chicago no World Music Festival, no Chicago Cultural Center. Tive no Lots Festival, depois em Seatle, Vancouver. Também já tive no Leacon Center, em Nova Iorque, na APAP, que é uma conferência onde se reúnem todos os programadores de festivais e de salas de espectáculos, em Nova Iorque. Este ano, vou voltar aos Estados Unidos, desta vez a Washington, para mais uns concertos, um deles incluído num festival. Espanha, França, Inglaterra e Holanda também já fizeram parte das minhas paragens. Este ano, vou voltar a Holanda, a Vredenburg e vou também a Bruxelas. Vredenburg é, de certa forma, o sítio onde o Fado chegou primeiro. Os fadistas iam lá todos, antes da Cristina Branco chegar à Holanda. A programadora desta sala gostava muito de Fados, vinha a Portugal ouvir os fadistas e dizia ‘gostava que este fadista fosse lá’. E a partir do momento em que ele lá estava, ela comunicava às outras salas. Depois, organizava-se logo uma tournée. Foi assim que tudo começou na Holanda. Isto há 10 anos.

FBP: Então, as actuações que tens no estrangeiro, não se restrinjem necessariamente a um público português, de emigrantes. A panóplia é muito vasta?

Hélder Moutinho: Posso dizer que quando estivemos nos Estados Unidos fiz o Centro Cultural de Chicago e não encontrei portugueses nenhuns, depois fomos a San Francisco onde também não encontrámos portugueses. Quando chegámos a Vancouver tivemos metade da sala com portugueses. Foi sem dúvida o melhor espectáculo de toda a tournée. Só o calor que os portugueses nos deram, ajudou-nos a nós, depois de uma viagem de quase 16 horas, a fazer um espectáculo de quase duas horas. A força e o carinho que nos dão, o agrado que eles demonstram em ter-nos ali, é algo fantástico. Mas, senão, regra geral, há sempre portugueses nas salas. E para nós isso é fantástico. Perguntamos sempre, no meio do espectáculo, ‘há portugueses na sala?’ e quando há obviamente temos todo o prazer em lhes dedicarmos um Fado.

FBP: E há algum Fado especial que dedicam às nossas comunidades no estrangeiro?

Hélder Moutinho: Um qualquer. É aquilo que na altura nos der na real gana!

FBP: Um aplauso de um estrangeiro é mais ou menos sentido que um aplauso de um português?

Hélder Moutinho: Não é mais nem menos sentido, é diferente. O que eu posso diferenciar é o aplauso de um português em Portugal e o aplauso de um português fora de Portugal.

FBP: Queres-nos diferenciar?

Hélder Moutinho: É como do dia para a noite…

FBP: Conta-nos…

Hélder Moutinho: Lá fora, é muito forte. Os portugueses sobem as cadeiras para nos aplaudir. E quando nós acabamos o espectáculo, se for preciso, levam-nos ao colo. Eles têm muitas saudades. Mesmo os que não gostavam de Fado, passam a gostar. Sentem, na nossa actuação, uma forma de se sentir em casa. Sentem-se de regresso. Quanto mais longe estão de Portugal, mais perto estão de nós neste tipo de aplauso.

FBP: Desde quando é que o Fado te corre nas veias?

Hélder Moutinho: Eu nasci no meio de uma família ligada ao Fado. O meu bisavô já cantava Fado. Por aquilo que me consta, eu faço parte da geração mais antiga de Fado no mundo. Existiu uma geração que diziam que era a mais antiga: a do Alfredo Marceneiro. Até um certo ponto é verdade. Era o Alfredo, depois foi o filho do Alfredo e agora é o neto do Alfredo. Ora, eu tenho o meu bisavô, o meu avô, o meu pai, eu e os meus irmãos. Portanto, nós somos a geração mais antiga. A não ser que haja alguma com cinco gerações, mas eu acho que só há quatro gerações.

FBP: Gostas que te associem ao teu irmão, ao Camané?

Hélder Moutinho: Não. Não, porque, desde muito cedo, eu sempre fiz questão de não nos associarmos. Nunca fazemos coisas em conjunto, temos cada um o seu caminho, e por esse motivo é que também não temos nomes iguais.

FBP: Mas nos jantares de família, há Noites de Fados com os dois manos, não há?

Hélder Moutinho: Não, não… Não há fados em casa. Não se canta Fado em casa. Em casa, fala-se das viagens, do futebol, do cinema, dos filmes, das outras coisas todas… mas não se fala de Fado.

FBP: Então, não se pode ouvir Hélder Moutinho e Camané juntos?

Hélder Moutinho: Não, não se pode.

FBP: Por enquanto…

Hélder Moutinho: Sim, por enquanto… Nós fazemos questão de termos caminhos diferentes. Se calhar a maior parte dos 10 milhões de habitantes deste país, não sabe que o Janita Salomé é irmão do Vitorino. E não precisam de saber. O Janita Salomé tem o seu valor, tem o seu talento e tem a sua carreira. O Vitorino tem a dele. Cada um está no sítio onde tem de estar.

FBP: E como é que te vês daqui a dez anos?

Hélder Moutinho: Daqui a dez anos… não consigo imaginar.

FBP: Muitos discos?

Hélder Moutinho: Não, porque eu não gosto de gravar um disco por ano ou um disco de dois em dois anos. O meu último disco saiu em 2004.

FBP: E o próximo já está agendado?

Hélder Moutinho: Vai ser em Setembro ou Outubro deste ano.

FBP: E vai incidir sobre uma temática particular?

Hélder Moutinho: Eu acho que no desenvolvimento do próprio disco é que a temática vai surgir. Não quero pensar numa temática por antecedência. O que eu sei agora é que quero fazer um disco, quero começar os ensaios com as pessoas com quem quero gravar o disco, quero começar a compor coisas novas e começar a perceber o que vai acontecer depois de se reunir os temas todos. No fundo, saber para onde é que vamos.

FBP: Mas já fizeste discos com temáticas precisas…

Hélder Moutinho: Sim! Não quer dizer que não tenha feito discos e espectáculos com temáticas. O Maldito Fado era um disco com temática. Tinha um alinhamento específico. Os primeiros quatro fados eram sobre os bairros de Lisboa, depois os outros quatro eram sobre o Amor, os outros sobre a Saudade. O Maldito Fado tinha também alguns instrumentos convidados de outras áreas que não têm nada a ver com o Fado e por isso mesmo é que se chamava Maldito Fado. Mas apesar de tudo, era Fado puro e duro. Afinal, eu não caí de pára-quedas. Acho que a temática é o próprio Fado.

FBP: Para terminar, que pergunta é que gostavas que te tivesse feito e não fiz?

Hélder Moutinho: Hum… Não me vem mesmo à cabeça… Não sei se queres escrever isto, mas eu já fiz muitas entrevistas e acho que desta vez houve perguntas originais, o que é bom para mim.

Perguntas Rápidas/Respostas Curtas:
Melhor fadista masculino? Alfredo Marceneiro e Alfredo Maurício.
Melhor fadista feminina? Beatriz da Conceição.
Melhor letrista de Fado? João Linhares Barbosa.
Melhor guitarrista? Ricardo Rocha.
Fado que mais gostas de cantar? Vielas de Alfama.
Fado rima com… Vida
Uma casa de fados de referência? Taverna do Embuçado.
Fado à desgarrada ou sozinho? Sozinho.
Fado com orquestra soa bem? Como experiência, sim.
Uma bebida para acompanhar um Fado? Água!
A melhor voz para acompanhar Hélder Moutinho? Já morreu, mas seria Fernando Maurício.
Castelo, Mouraria ou Alfama? Alfama.
Uma sala de sonho? A Eduardo Prado Coelho, na FBP.
O último livro que leste? Poemas escolhidos do Mário de Sá Carneiro
Três palavras sobre a FBP? Saudável, Anárquica (no bom sentido) e Arriscado (porque é sempre um risco cantarmos para um público que nem sempre é um público de Fado). pela operária Tânia Ribeiro

Um comentário:

Rui Mota disse...

A entrevista é boa, com perguntas inteligentes, mas tem demasiados erros factuais, para além de nomes e conceitos trocados.
Aconselho uma revisão do texto, pois, como está, é confuso e induz o leitor que não conheça os factos, em erro.
Para bem do Fado, já se vê!